sábado, 28 de dezembro de 2013

Notas de giz

Toda ela verde
Manhã minha
Passos largos, vem-me eles
Vento, ventania
Despertam-me os olhos
Recitam meu dia
Farfalhar do capim ao dançar a brisa
Ainda molhado, fora banhado
Madrugada o fez, chuva pequena, serena menina
Acima, entre galhos, ouço devaneios
Acordes voadores cochicham entre si
Notas que desconheço...
Ah, conheci!
Do lado direito riacho faz-me companhia
Até meu destino, segue comigo
Canta-me rimas!
Com altos e baixos, muda de tom
Doutro lado, lá está!
Já cedo, seu João...
Vê-me com os ouvidos
Desejo-lhe bom dia, sem palavras;
Um sorriso
Mais claro que areia do velho jovem senhor
De supetão, me encontrou!
Encaro-o de frente
Fora tão de repente
"Quando despertou?"
Resposta não-esperada
Caminhei
Sombra de acasos assim se fez...
Avisto-o
Longínquo
Pratos e copos, café requentado
Calmaria
Calma ria!
Vou-me indo, já pré-parado
Espero-os amanhã, novas sinas
Sorrio-lhes com olhares
Piscam de lado
Até outro dia!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Cor-rida

Grama sob pés descalços
Dedos entre-laçados
Sorrindo, lá se vão, cor-rendo entre o gado
O cenário procria-se a cada passo
Um sol vespertino acaricia-lhes a pele
Dela, olhares vívidos que cantam acaso
Dele, calma refugiada por onde esteve
Sobre suas cabeças, nuvens sorriam-lhes acenos de um teto azulado
A frente, o mistério, que com maestria tingem de afagos
Sem pressa, rodopiam
Seus olhos se fecham
Encontram o chão
Um contra o outro, seus lábios sorriem
Risos baixos, uma canção
Ela o sorri, o com-vida
Com dedos entre cachos, ele ria
"Que menina..."
A envolve de cores, espaço não sobra
Entre braços e sussurros
Ela cora...
Avistam folhas, fonte de ar
Erguem-se, correm
"Vamos lá..."
Num piscar de toques, cá estão
Grandes galhos, pastos por todos os lados
"Imensidão..."
Mãos voltam a se encontrar
Palavras são abortadas
Sol vai indo-se deixar
Por um instante, olhares se cruzam
Bocas se encontram
Pensamentos se vão
Respiram num só ritmo
Entre ser e estar...
Estão

Uma cor-rida
é sempre boa para
a-cor-dar

sábado, 30 de novembro de 2013

Velhinho do relógio

Discernir vozes
Sorrir por acordes
Quanto tempo demora?
Portas abertas, pessoas lá fora
Fecha-se para uns, esconde-se em outros
Chega sem pedir, corroendo-me esboços
Tudo sabe, tudo vê
Existira antes mesmo de nascer
Contemplando colisões invisíveis até mesmo a olhos vestidos
Viaja;
Num piscar de olhos, universos perdidos
Canta histórias, ouvidas por todos, assimiladas a dizeres
Sendo nada, sabedor de todos os seres
Divago olhando tua face
Subjetiva, de todos uma parte
Move-se quando lhe convêm
E nós? Perecemos à mercê de teu desdém
Caçoa-me idas e vindas
Amores vividos, tristezas escritas
Golpeia, insaciável, despido de cansaço
Ao adversário, falta seu próprio rival, agora escasso
Feliz aquele que diverte-se contigo
Imperceptível ao seu ver e mesmo não tendo pedido
Continue, fique, passe-se comigo
Passado, presente e futuro, muitos nomes tu tem
O que mais lhe convêm?
Aposto o oposto que não põe-se de lado
Quando não lhe vejo passar, por onde tem andado?
Sofre ou diverte-se? Como lida com ser nada?
Com ver tudo?
Receio que me derrube antes de ver-lhe rubro.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Em-tarde-ser

Lá fora, grilos urram de alegria
Ouço suas vozes, clamam sinestesia
Gramados cortejam-me os pés
Sobre terra, o céu, tinta pros meus papéis
Debato com a brisa
Ela cora, que menina!
Estimo estímulos dissimulados
E o que passou voando fora nossa fala, bem do meu lado
Luzes movem-se de lá para cá
Mas quero estrelas!
Pra-ser em conhece-las
Podem entrar!
Esqueci-me de algo lembrado
O canto dos grilos! É claro!
Estratifico-me entre a noite e o dia
As folhas protestam por coisas distintas
Exalando odores vespertinos
Com vivacidade, de novo, meus grilos
Riachos eloquentes, esperneiam ao silencio
Cortam-lhe a garganta, de todos, o pequeno
É chegada a hora
Deixo-os assim, insaciados
Desprovidos de satisfação
Mas a todos, de bom grado
Eu daria uma canção

terça-feira, 26 de novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Poças de aquarela

Que digam as canções
Onde vamos parar?
Separar com-junções?
Que tal pintar o ser-estar?
Pensemos depois...
Afagos a dois
Mobile o agora
Histórias perdidas...
Vê todos esses rostos?
Seque essa melodia
Deixe-as espalhadas
Seu sorriso já chegou
Tire essas cenas molhadas
O vidro se embaraçou
Core, queira-me inteiro
Sem falas, perca o roteiro
O tempo gorjeia, não quer passar
Outra fase vir-há
Fique um pouco comigo
Não conjugue partir
É tarde, está frio
Olhar re-vê-la em si
Segure meu sorrir, voe comigo
Venha cantar esses pingos
Notas essas as-saltam-me a alma
Lírios parecem flor-e-ser pele a fora

sábado, 23 de novembro de 2013

Verão

Tua fala tem mais cores
Sorrindo-me odores
Ela vem vestindo alegoria
Vem perdendo sorrisos, perdendo por esquinas
Sussurra meus acordes, minhas linhas já não minhas
Cochilos entre sonhos
Dilúvios de sol
Nossos dias de chuva? São feitos em si bemol!
O mordiscar de lábios convida-me a dançar
Sendo o vento nossa música, quando vamos parar?
Suas covinhas lhe convinham
Suas meias-metades são inteiras
Vem de muitas luas... de tantas, é Cheia!
Se um dia se esvai
Esvaindo-se vem vindo
Que tal achar o que não foi perdido?
Esta é minha deixa
Esta é minha queixa
Engana-me com teus olhos
Olhos cor de ameixa...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Cubros

Descobrindo
Descubro indo
Descobrir
Descubro rir
Descobriremos
Descobri remos
Descoberta
Ex-coberta
Des-cubro-te
Em cubos

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Aceno

Acena...
Ah, cena!
Acenando
Acenaria
A cena ando
A cena ria!
Acenarei
Acenou
Acenar... ei!
A cena ou...
Há cenas!
Há acenos...
Acenemos

domingo, 17 de novembro de 2013

Entre parêm-teses

Conhecera meus pré-textos
Sorria meus à-certos
Descabida, não cabia
Cândida, tudo escondia
Confundimos os "irmos"
Avistamos os "tamos"
Ou o contrário... Foram tantos
Semeamos sabores
Você sorriu valores
Regamos presente
Tornei-me ausente
Erros espumaram
Noites desvendaram
E as entrelinhas?
Palavras não ditas ficaram perdidas?
"Agora é passado, deixemos de lado"
Teria dito...
Num futuro passado qualquer, algo pode ter acontecido
Quem sabe um dia
Você tropece numa rima
Quem sabe um mês
Você me conte onde foi, o que fez...
Quem sabe um ano
Voltemos para o "tamos"
E só de ver a incerteza passar assim
Quero acolhe-la pra mim
Só de ver você dançar
Quero com-julgar o reamar
Des-peço-me ali
Porque tinta transborda por aqui...
Des-peço-ti acolá
Enquanto respirar

sábado, 16 de novembro de 2013

Vira o sol nascer
Noite feneceu
Entre nuvens, sorrindo, disse ele:
Ego-
Ego meu...
Existe alguém mais
-cêntrico que eu?


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Lá-sols

Lá vem ele, vem subindo
Monta-no que traz consigo
Lá vem ele, despertar
Os gorjeios vão cantar
Lá vem ele, acender
Cores vão estremecer
Lâ vem ele, vem sorrindo
O que mesmo traz consigo?
Lá vem ele... Aí está!
Só-risos vem pintar
Olhem ele, olhem lá!
Vem comigo, desvairar
Olhem ele, olhe ali!
Foi comigo, fora aqui
Cante a todos
A todos em encante
Teu brilho deixo na estante
Faça parte
Faça perto
Deixe o cantigo aberto
Faça poucos
Faça muitos
Barganha-me múrmurios
Cativa-me
Ativa-me
Ensine a cativar
Reamar, rema
Vamos pra qualquer lugar...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Quando o tempo fecha
A chuva abre
Quando o sol se deita
A noite cai
E nossa tarde de outono, pra onde vai?

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Só me pague uma bebida e diga ao taxista que me deixe na esquina...

Num passado presente agora

Me acolheu
Escolheu
Deu-me cômodos
Abaixo do pescoço
E borboletas no estômgo
Gracejos e afagos embalam nossa sina
Diga-me quando e eu direi quanto
Diga-me onde e eu direi instante
E por noites assim termina
Rascunha-me um sussuro
Canto-lhe o mundo
Mas não me faça passado
Não despeja-me em feridas
Em que esquina teu medo virou sina?
Sou presente, talvez futuro
Sou agora, talvez depois
Nessa mesa de medo tem lugar para dois?

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Saudade-e-meia: Toque de acolher

Lá fora a chuva pinga
Aqui dentro o som respinga
As estrofes tiraram um dia de folga
O sorriso fora cedo, hoje não sei se volta
Minhas rimas foram na esquina
Meus versos brincam de esconde-esconde
No sofá, na cama, geladeira, estante?
Os cantigos canto contigo
Nossa graça é feita de trigo
Se eu remexer a massa, jura que canta comigo?
As panelas foram dormir
Os pratos estão por aí
Os copos se demitiram
Tem mais alguém aqui?
Lembranças batem na porta
"Olhe a hora, vão embora!"
O controle remoto está perdido
Ou tinha ido sair... O que ele havia dito..?
Todos disseram para onde iam
Outros de onde vinham
Mas e você?
Por onde teus pés caminham?

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Meu criado-mudo fala

Pronde foi toda a mágica?
Donde alegoria se meteu?
A lembrança de um riso e mais nada?
Em que esquina nossa sina se perdeu?
"Moça de sorriso cândido, aquela"
Moçaquela, menina minha, feita d'aquarela
Vai, vai, tonta minha
Mas leva contigo parte de mim
Parte pequena, naquela caixinha
A tinta agora é mais molhada
E não me pergunte o porquê
A tinta agora é mais molhada
Leve-a com você
"A música ainda toca"
Como? Arrebentou-se... a corda
"O vento ainda escolta"
Como? Fechou-se... a porta
Nas nossas falas faltam tantas palavras
Da nossa falta sobra tanta presença
No nosso agora faltam tantas cenas
"O que aconteceu?"
E a resposta se perdeu
"Para onde vai?"
Vou na frente, vou atrás...
"O que fazer?"
Me diga você, me diga você...
Menina, nos dedos conta
Nosso faz-de-conta
Menina, por risos grita
Nossa sina
"Fechem as cortinas..."
Na gaveta do meio, naquela
Ali, deixei guardada
Meu criado-mudo fala...

sábado, 26 de outubro de 2013

Vira-tempo

Dita cuja, de olhos cor-de-gris 
Rabiscamos um esboço 
Teu nariz feito de giz 
Traçamos linhas retorcidas 
E por cores escondidas
Encontramos teu sorriso 
Esbanjando sabor 
Desenhamos tua voz 
Sem cor 
Sem atroz 
Traduzi teu olhar
E idioma mais bonito jamais se ouviu falar 
Pincelamos tuas penas, apenas 
Pontilhamos nossa sina 
Rimos nossas rimas 
Colorindo as cenas 
Duas, três, dezenas! Centenas! 
Faz-de-conta mas não conta 
Que de afagos e gracejos é feita nossa dança 
Surpreenda-se mas não prenda-se 
A liberdades mal-ditas 
A invenções revestidas 
As nossas noites mal-dormidas... 
Reescrevemos as regras 
Medimos as tréguas 
Ditamos as léguas 
Por ruas desertas 
Encontrei-a na esquina do acaso 
Com a rua 16 
E dali canção se fez... 
Para brandar nossa alegria 
Rabiscamos estrelas 
Para pousar nosso pesar 
Sentamos sobre as mesas 
Ciframos os risos
Pintamos os rios
Ficamos perdidos 
Numa rua qualquer 
Dormimos sentados 
Deitados de lado 
E num minuto passado 
Se fez mulher 
Nas manhãs de verão era lua 
Nas de inverno, sol 
Por tantas outras, meu amado rouxinol

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Pingos de papel

No recado cada canto encanta um cado
Escorregam pelas linhas palavras não ditas
Em fila indiana: frases pe(r)didas...
Pontos e espaços, cada um pro seu lado!
Metrificação padece na parede do quarto
Estrofes dançam aqui e acolá
Rimas e versos gorjeiam:
perdurará!
Cheiro de tinta ainda respinga
Prosa não extinta por letras vizinhas
Folha velha de branco esculpido
Esconde motivo:
Regendo os pontos
Verbaliza o sorriso...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Fastígio

Desdizer não é não dizer
E se assim foi, teria deixado de ser
Assemelha-se ao que não foi dito
Lhe digo
Que assim fora se indo
E quem a viu passar?
"Olá, olá, olá"
Calcificou-se num sorriso
Perdido
Escrito
Em seu rosto esculpido
Já não sabe mais dizer
Canta pra não ser
A sombra dum vestígio
Era eminente
Estava impotente
E eu simplesmente
Já não tinha onde ir
Num instante, desverdade
Era som de cidade
Embalada num borrão;
Inóspito este era
Onde prosa está em queda
Abatida por cifrão
Luzes e fumaça
E o que desagrada?
A lembrança desgastada
Batendo no portão
Ergueu-se, demasiado
O inverno, passado
Era solstício de verão

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

- Estou perdido
- Para a esquerda - disse-lhe o vento
- Para trás - dissera a nuvem
- Vire ali - sussurrou a estrela
- Corra até lá - sugeriu uma voz
- Por que deveria ouvi-los?
- Somos parte de você - responderam em coro

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

La luna

Da janela pôde ver; por trás da nuvem, tentava se esconder;
Deixou escorrer, depois transparecer;
Desvaneceu, o braço se estendeu
Tentou correr, noite a acolheu.

Pela janela iluminava, penetrara o cômodo;
Por tudo se espalhara, vinha a ser incômodo
Era, porém, única companhia!
Longínqua, estava ela, também sozinha.

Sorria-lhe de orelha a orelha, enamorou; no olhar, uma centelha
Falava com seu brilho, este ressoava;
Convidava-o para dançar, havia entendido
Não se atreveu a recusar
Dançara com os lábios: Um sorriso

Silêncio juntou-se aos dois
Num instante estava decidido, seguiram o ritmo
O tempo assim passou
Ouviu-se um ruído, hora de ir: Acenou
Disse tudo num suspiro

Cada vez mais alto ia ela já indo;
Levava a lembrança do quarto tingido
Desapareceu, ia agora outros cantos clarear
Dir-se-ia o céu atravessar
Lembrou-se ele da música que tocara; seus olhos se fecharam e lá estava...

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

- E para entrar na felicidade, o que é preciso?
- Um ingresso por sorriso, e nada mais que isso. Nada mais que isso!
- E se lhe sorrir com o olhar?
- Deixo passar, deixo passar!
- Se trouxer-lhe um amigo?
- Será bem-vindo, será bem-vindo!
- E se vier em passo lento?
- Empresto-lhe o vento. O vento!
- Entendo... Queria trazer mais pessoas...
- Faça as escolhas. As escolhas!
- Parece-me tão pequeno o meu alcance... É tudo que posso fazer?
- Depende de como se vê. De como se vê!
- Donde venho o chamariam de louco...
- Não sou por pouco, bem pouco!
- E se eu pensar em desistir?
- Basta sorrir. Sorrir!
- Deram a ti o poder de definir? Quem és? Preciso saber!
- Oras, quem sou eu? Devia saber. Sou você, sou você!

sábado, 24 de agosto de 2013

Sarda-Menor


Pula, perpetua
Céu límpido, no seu rosto, a luz da lua
Pequena como um grão
Era maior que o botão
que desenhei naquele esboço
Tingida pela lua, não é como feijão
cabe dentro do meu bolso
Quis ser jus a estrela
confessei-me pela tal serenata:
Me pareceu sensata
Ideia de cantar da cabeceira.
Gorjeei, enrolei
Fiz-me perceber
Dando uns passos tropecei
Olhar fizera estremecer
Sucedeu voz agridoce
De longe um vislumbre
dum sorriso cristalino
"E se a distância fosse..."
Surgia o brilho matutino.
Apoderou-se de mim
Um salto e estava à beira
Deu-me um beijo cândido
Aclamou o cântico.
E fugimos da fronteira
O céu fora roubado
Tiraram-lhe uma estrela

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Participio há muito não conseguia mais sair mundo afora, estava velho mas já havia viajado muito, tinha se aposentado há dez anos e deixado de lado a velha motocicleta . Gerundio era jovem, forte, robusto, estava sempre viajando, conhecendo lugares e pessoas novas. Já os irmãos Infini e Tivo somente se permitiam desejar, queriam sempre viajar, sair para andar, talvez até tentar dançar. Mas nada mais que isso, tudo que faziam era planejar.

Se permita.

domingo, 18 de agosto de 2013

Sem-um-bom-titulo

Tudo ficou devagar. As várias vozes ao redor pareciam ficar cada vez mais distantes até se tornarem ecos. Ele se levantou do sofá vermelho-vivo, sua cabeça parecia estar girando e ao mesmo tempo parada. Calçou lentamente os sapatos, a porta do quarto já se encontrava aberta, passou por ela, ainda lentamente e caminhou pela pequena cozinha.
Os rostos tinham lábios, estes se moviam da forma como ele caminhava, mas parecia que lhes fora roubado o que chamam de som e nada podia ser ouvido porque não havia o que ouvir.
Lançou-se porta a fora. Nuvens robustas e de um branco sujo cobriam todo o céu, no chão haviam pequenas poças e o ar estava parado. Caminhou em passadas um pouco mais rápidas, os sons começaram a voltar da mesma forma que foram, seja lá para onde tinham ido. Havia uma garota sentada na beira da calçada, ele a fitou brevemente, parecia estar perdida em seus próprios pensamentos e nem o notou, continuou a andar.
Sentiu o frio vento tocar-lhe o rosto e deu por si andando em passadas rápidas, seu olhar demonstraria o quão distante ele estava, se houvesse alguém para vê-lo.
Começou a ouvir uma batida, "dum-dum, dum-dum", sem parar e ainda com as mesmas passadas ele procurou saber donde vinha aquilo, olhou para os lados, para o alto, para frente, mas nunca para trás. Depois de virar a esquina percebeu, vinha de sua cabeça. Acostumou-se e continuou, estava numa rua larga, carros passavam, pessoas indo e vindo de vários lugares. Começou a imaginar de onde vinham e para onde iam. Depois percebeu que ele mesmo não sabia para onde estava indo.
Parou.
Olhou para os lados, era um cruzamento, havia uma banca de jornal do outro lado, atravessando a pequena rua a direita e um rio do lado esquerdo da rua a sua frente. Era larga e muitos carros passavam por ela. Viu uma pequena ponte dez metros a frente, uma árvore e um banco de madeira ao lado dela.
Atravessou a rua e caminhou até lá.
Olhou em volta.
Sentou-se.
Começou a reparar nos sons ao seu redor, notou um em especial, um ronco.
Era seu estômago que reverberava
Não havia comido nada desde que acordara.
Alias, nem sabia que horas eram.
Procurou saber, sentiu algo no bolso, tocou-o e sentiu algo retangular, pegou-o.
Era seu velho celular, com arranhões na tela e uma fina liga metálica circulando um botão central, a liga estava enferrujada em algumas partes. Ele tocou o botão e a tela acendeu, eram 10:40, e domingo, mas isso ele sabia. Havia acordado as 7, como sempre, mesmo sendo domingo. Seu estômago voltou a lembrar-lhe que tinha se esquecido dele. Ignorou, guardou o aparelho no bolso direito, olhou para cima. O céu ainda era o mesmo. Perguntou-se que "mesmo" era esse. Começou a ouvir passarinhos gorjeando, concentrou-se em fazer isso. Ouvia também, mas distante, o barulho do rio correndo atrás de si. Inclinou-se para frente, pousou os cotovelos nos joelhos e juntou aos mãos abaixo do queixo.
Fitou o chão.
Deitadas sobre ele estavam algumas folhas verde-limão e um pouco de terra. Por que estava mesmo ali? "Dum-dum, dum-dum", ele voltou a ouvir e achou melhor deixar essa pergunta pra lá. Fechou os olhos. Ouvia agora as vozes e os carros, depois junto a eles, os passarinhos. O som do rio sentiu-se só e se juntou a eles. Estavam agora todos juntos. Então ele entendeu. Levantou-se, sentiu o estômago reclamar e decidiu voltar para casa. Lembrou-se porque tinha saído daquele jeito, ele... "Dum-dum, dum-dum", ele ouviu e mais uma vez deixou pra lá. Começou a caminhar, as nuvens tinham se movido um pouco e permitiram que alguns raios de sol fossem vistos naquela hora. Passou por uma senhora idosa, parecia ter cinquenta anos, ela lhe sorriu e lhe desejou bom dia, ele retribuiu ambas as coisas e continuou caminhando por onde antes tinha vindo. Lembrou-se que havia se perguntado para onde estava indo.
Agora ele sabia, ou melhor, sabia não-saber. Na volta viu poucos carros e poucas pessoas. O vento acariciava-lhe o rosto. Assim continuou, andando devagar, com os olhos semicerrados, e um sorriso que não se vê, mas que se advinha.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Gotas de acolá

Sem sair do meu chuveiro vou aonde quero ir
Onde coisas aconteceram e deixaram de existir
Do bosque mais fechado ao vulcão mais fumegante
Para um futuro próximo, ou um passado distante
Ou até aquela esquina
Três quadras acima, onde mora dona Maria
Sem sair do meu chuveiro vou a qualquer lugar
Talvez onde você ainda sonhe em ser feliz
Ou a primeira vez em que apertei o teu nariz...
Somente me separa do mundo inteiro
a cortina com bolinhas cor-de-gris
Posso ir até a lua
Ou naquela rua
Onde perdi a consistência
Sem sair do meu chuveiro vou a outros mundos,
onde pessoas ainda possuem conciência
Do topo do prédio ao parapeito
Àqueles dias longínquos, quando sorria daquele teu jeito
Posso andar nos anéis de Saturno
Nadar nos mares de Netuno
Num piscar de olhos:
Tudo num segundo
Sem sair do meu chuveiro eu vejo o mundo inteiro
São tantos lá embaixo, mais parece um formigueiro
Daqui são todos iguais
Quadrados, redondos, são todos disformes, de formas banais
Sem sair do meu chuveiro ouço até o que não foi dito
A criança que ainda não chorou
O grito do garoto perdido
As três palavras que não consegui murmurar
Frases, canções que não consigo escutar
No meu chuveiro o tempo voa
As vezes passa devagar
E isso só percebo
quando ouço me chamar
Sem sair do meu chuveiro tudo posso
Até mesmo flutuar
Eis o meu maior tesouro:
Minhas gotas de acolá.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ressaca de você

Taquei uma pedra
Na tua janela
Caiu no chão, pingou na panela
No prato
O pato
Vazia a tigela
Com preguiça de ferver
Fora à cabidela
Como ficar numa tarde como aquela?
Chaves no bolso
Oras... E a porta? Deixei-a aberta?
Corre, vira, pula e volta
Logo a frente, consegue ver a porta?
Deixei um recado, na mesa da cozinha
Escrevi um bocado, logo terei chegado, não está sozinha.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Dilúvios imaginários

"E se...", assim começam reprises daquilo que não vivi.
Gatuna, ladra que rouba meu silêncio em todo lugar
Da mesma forma que abre as persianas do meu quarto, deixando o sol entrar.
Minhas mãos estão manchadas de giz de cera
Olhe essa bagunça, donde veio tanta poeira?
Nas noites em branco, bochechas viram cachoeiras.
A tarde chegara, de relance, logo ali, vi minha gaveta de meias
Talvez a arrume em fila indiana, ou de uma forma que ache justo.
Deitado no sofá ainda ouço teu murmúrio.
Aí jazem borboletas imaginárias que não voam mais
Aquilo que lhe escrevi, ela perdeu, virando a esquina, duas quadras atrás.
Teus olhos já não veem mais?
Por onde ando, somente semi-presente
Épocas de outrora, veja a aurora, coisas eram diferentes.
A janela ainda deixo entre aberta
Se o gato preto precisar, poderá passar por ela.
Naquele pé de abacate, agora nascem figos
E nebulosas de lembranças arrancam-me sorrisos.
E qual seria o certo se não pelo bem-querer?
Assim é, e quando for, passando ponte afora há de ser.
Dar costas a estrelas cadentes e a aeronaves não faz com que deixem de exsitir
Tempo algum fará meu desejo suprimir.
As paredes viram e ouviram, nelas está minha herança.
Ainda irá sorrir muitas vezes como uma criança
E muitas noites ainda a verei, com teu andar que mais parece uma dança.

Escrevendo na areia

Eu quero entrelaçar meus dedos nos teus, quero sentir o calor do teu corpo
Te envolvendo em meus braços, formando aquele "C" de conforto...
Sentir o teu cheiro, colocar teu cabelo atrás da orelha
E deslizar a mão pelo teu rosto, deixando coradas as tuas bochechas...
Acordar ao teu lado...
Te ouvir dizer "Bom dia" com aquela voz sonolenta e ver teu cabelo bagunçado.
Apertar teu nariz fazendo você me mostrar aquele sorriso meigo
E me aproximar devagar quando fechar os olhos daquele seu jeito
E então deixar meu corpo junto ao teu
Esquecendo do dia, da hora... Perdidos em nosso apogeu...

Menina da grade


Confusa, cheia de duvidas, seus pensamentos são como as estrelas que pontilham o céu.
Sua face muito esconde, mas não é escondida, por máscara, maquiagem, nem sequer um simples véu.
Sua voz cristalina conforta, espanta todo e qualquer desalento.
Tua presença despe e rouba quaisquer palavras, deixando apenas o murmurar do vento.
Olhar profundo, voltado não para fora, mas adentro, como se montasse guarda sob um tesouro escondido.
Contagiante, inocente e inquietante, assim é seu belo sorriso.
Suas bochechas lhe traem facilmente, ficando coradas, cor de maçã.
Passa noites em claro, com suas constelações errantes, indo dormir pela manhã.
Sempre em busca de perguntas para suas respostas, está em constante movimento
De seu endereço já não mais sei, por onde anda, sei sequer o pavimento.
Há mais nela do que a própria imagina ou possa vir a acreditar.
É capaz de ver beleza na incerteza, sentir saudade sem tristeza e se preciso for, nada dizer, apenas ouvir os passarinhos gorjear.
De seus desejos, sonhos e projetos, já não sei quais são e nem quantos, ao menos não me lembro de descobrir.
Ficara tão pouco tempo, para mim, pois para ela, já chegara a hora de partir.
Ouça, menina minha, a manhã está próxima, já logo terminará a canção do rouxinol.
De algo tenho certeza, sei que se recorda:
É "para lá" que nasce o sol.
Talvez lhe encontre noutros tempos, numa esquina de qualquer avenida.
E se algo nos impedir de trocar palavras ou conversar por olhares... Distrairemos nossa sina.

Postigo

Ele acabara de acordar as 3:15, em ponto, como todas as noites daquele mês e talvez, doutros. O sono o abandonara e seus olhos ainda o incomodavam um pouco. Podia-se ouvir a água do riacho que passa por trás de sua casa dominando as rochas completamente, de uma forma sem precedentes, sem feri-las, apenas fluindo sobre elas. Aquele som monotono era a única coisa que cortava o silêncio daquela madrugada de quinta. Estava deitado logo abaixo da janela, com as cortinas fechadas, em seu sofá olhando fixamente para o teto recordando um trecho que havia lido num livro na quarta pela tarde:

"A tristeza não nos muda, ela nos revela"

  — Se é assim, não é só ela — pensou consigo ao lembrar do que seu amigo havia lhe dito outrora — Todos os outros também podem revelar. Nosso desalento, nossa alegria, a indiferença, talvez até mesmo a nostalgia, não no sentido lato mas como um postigo que é aberto e, para aqueles que o atravessam, nos deixa completamente nús, expostos. Não que qualquer um seja capaz de atravessá-lo, para uns somente aqueles que se permite, para outros livre acesso. Mas quem saberia controlar isso? — ele se perguntou —  Afinal, deveriamos controlar? Faria de nós mais, ou menos humanos? Ahá, touché... — suas pálpebras começaram a pesar.

  — Então é isso... — ele disse, e adormeceu.

Ao vento

Do que você tem fome?
Daquele fast-food da esquina, daquela parte de ti que a monotonia consome?
O que você quer escutar?
Milhares de vozes nas calçadas, o cantar dos pássaros quando o sol raiar?
O que você quer ver?
As avenidas infestadas de carros, o cintilar das estrelas ao anoitecer?
Para onde você quer ir?
Para casa assim tão cedo, para aquele lugar onde outrora você, o silêncio e teus pensamentos podiam coexistir?
Com o que você quer sonhar?
Trabalho, perseguição, temporal, algo que te faça sorrir quando despertar?
O que você tanto tem buscado?
A tampa da caneta, o pé da meia, o perdido, o achado?
O que você vai fazer?
Chorar, gritar, andar, apenas esperar algo acontecer?
Não encontrará respostas colando cartazes...
Pergunte ao silêncio, talvez verdades ele fale.