quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Gotas de acolá

Sem sair do meu chuveiro vou aonde quero ir
Onde coisas aconteceram e deixaram de existir
Do bosque mais fechado ao vulcão mais fumegante
Para um futuro próximo, ou um passado distante
Ou até aquela esquina
Três quadras acima, onde mora dona Maria
Sem sair do meu chuveiro vou a qualquer lugar
Talvez onde você ainda sonhe em ser feliz
Ou a primeira vez em que apertei o teu nariz...
Somente me separa do mundo inteiro
a cortina com bolinhas cor-de-gris
Posso ir até a lua
Ou naquela rua
Onde perdi a consistência
Sem sair do meu chuveiro vou a outros mundos,
onde pessoas ainda possuem conciência
Do topo do prédio ao parapeito
Àqueles dias longínquos, quando sorria daquele teu jeito
Posso andar nos anéis de Saturno
Nadar nos mares de Netuno
Num piscar de olhos:
Tudo num segundo
Sem sair do meu chuveiro eu vejo o mundo inteiro
São tantos lá embaixo, mais parece um formigueiro
Daqui são todos iguais
Quadrados, redondos, são todos disformes, de formas banais
Sem sair do meu chuveiro ouço até o que não foi dito
A criança que ainda não chorou
O grito do garoto perdido
As três palavras que não consegui murmurar
Frases, canções que não consigo escutar
No meu chuveiro o tempo voa
As vezes passa devagar
E isso só percebo
quando ouço me chamar
Sem sair do meu chuveiro tudo posso
Até mesmo flutuar
Eis o meu maior tesouro:
Minhas gotas de acolá.

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