quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ressaca de você

Taquei uma pedra
Na tua janela
Caiu no chão, pingou na panela
No prato
O pato
Vazia a tigela
Com preguiça de ferver
Fora à cabidela
Como ficar numa tarde como aquela?
Chaves no bolso
Oras... E a porta? Deixei-a aberta?
Corre, vira, pula e volta
Logo a frente, consegue ver a porta?
Deixei um recado, na mesa da cozinha
Escrevi um bocado, logo terei chegado, não está sozinha.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Dilúvios imaginários

"E se...", assim começam reprises daquilo que não vivi.
Gatuna, ladra que rouba meu silêncio em todo lugar
Da mesma forma que abre as persianas do meu quarto, deixando o sol entrar.
Minhas mãos estão manchadas de giz de cera
Olhe essa bagunça, donde veio tanta poeira?
Nas noites em branco, bochechas viram cachoeiras.
A tarde chegara, de relance, logo ali, vi minha gaveta de meias
Talvez a arrume em fila indiana, ou de uma forma que ache justo.
Deitado no sofá ainda ouço teu murmúrio.
Aí jazem borboletas imaginárias que não voam mais
Aquilo que lhe escrevi, ela perdeu, virando a esquina, duas quadras atrás.
Teus olhos já não veem mais?
Por onde ando, somente semi-presente
Épocas de outrora, veja a aurora, coisas eram diferentes.
A janela ainda deixo entre aberta
Se o gato preto precisar, poderá passar por ela.
Naquele pé de abacate, agora nascem figos
E nebulosas de lembranças arrancam-me sorrisos.
E qual seria o certo se não pelo bem-querer?
Assim é, e quando for, passando ponte afora há de ser.
Dar costas a estrelas cadentes e a aeronaves não faz com que deixem de exsitir
Tempo algum fará meu desejo suprimir.
As paredes viram e ouviram, nelas está minha herança.
Ainda irá sorrir muitas vezes como uma criança
E muitas noites ainda a verei, com teu andar que mais parece uma dança.

Escrevendo na areia

Eu quero entrelaçar meus dedos nos teus, quero sentir o calor do teu corpo
Te envolvendo em meus braços, formando aquele "C" de conforto...
Sentir o teu cheiro, colocar teu cabelo atrás da orelha
E deslizar a mão pelo teu rosto, deixando coradas as tuas bochechas...
Acordar ao teu lado...
Te ouvir dizer "Bom dia" com aquela voz sonolenta e ver teu cabelo bagunçado.
Apertar teu nariz fazendo você me mostrar aquele sorriso meigo
E me aproximar devagar quando fechar os olhos daquele seu jeito
E então deixar meu corpo junto ao teu
Esquecendo do dia, da hora... Perdidos em nosso apogeu...

Menina da grade


Confusa, cheia de duvidas, seus pensamentos são como as estrelas que pontilham o céu.
Sua face muito esconde, mas não é escondida, por máscara, maquiagem, nem sequer um simples véu.
Sua voz cristalina conforta, espanta todo e qualquer desalento.
Tua presença despe e rouba quaisquer palavras, deixando apenas o murmurar do vento.
Olhar profundo, voltado não para fora, mas adentro, como se montasse guarda sob um tesouro escondido.
Contagiante, inocente e inquietante, assim é seu belo sorriso.
Suas bochechas lhe traem facilmente, ficando coradas, cor de maçã.
Passa noites em claro, com suas constelações errantes, indo dormir pela manhã.
Sempre em busca de perguntas para suas respostas, está em constante movimento
De seu endereço já não mais sei, por onde anda, sei sequer o pavimento.
Há mais nela do que a própria imagina ou possa vir a acreditar.
É capaz de ver beleza na incerteza, sentir saudade sem tristeza e se preciso for, nada dizer, apenas ouvir os passarinhos gorjear.
De seus desejos, sonhos e projetos, já não sei quais são e nem quantos, ao menos não me lembro de descobrir.
Ficara tão pouco tempo, para mim, pois para ela, já chegara a hora de partir.
Ouça, menina minha, a manhã está próxima, já logo terminará a canção do rouxinol.
De algo tenho certeza, sei que se recorda:
É "para lá" que nasce o sol.
Talvez lhe encontre noutros tempos, numa esquina de qualquer avenida.
E se algo nos impedir de trocar palavras ou conversar por olhares... Distrairemos nossa sina.

Postigo

Ele acabara de acordar as 3:15, em ponto, como todas as noites daquele mês e talvez, doutros. O sono o abandonara e seus olhos ainda o incomodavam um pouco. Podia-se ouvir a água do riacho que passa por trás de sua casa dominando as rochas completamente, de uma forma sem precedentes, sem feri-las, apenas fluindo sobre elas. Aquele som monotono era a única coisa que cortava o silêncio daquela madrugada de quinta. Estava deitado logo abaixo da janela, com as cortinas fechadas, em seu sofá olhando fixamente para o teto recordando um trecho que havia lido num livro na quarta pela tarde:

"A tristeza não nos muda, ela nos revela"

  — Se é assim, não é só ela — pensou consigo ao lembrar do que seu amigo havia lhe dito outrora — Todos os outros também podem revelar. Nosso desalento, nossa alegria, a indiferença, talvez até mesmo a nostalgia, não no sentido lato mas como um postigo que é aberto e, para aqueles que o atravessam, nos deixa completamente nús, expostos. Não que qualquer um seja capaz de atravessá-lo, para uns somente aqueles que se permite, para outros livre acesso. Mas quem saberia controlar isso? — ele se perguntou —  Afinal, deveriamos controlar? Faria de nós mais, ou menos humanos? Ahá, touché... — suas pálpebras começaram a pesar.

  — Então é isso... — ele disse, e adormeceu.

Ao vento

Do que você tem fome?
Daquele fast-food da esquina, daquela parte de ti que a monotonia consome?
O que você quer escutar?
Milhares de vozes nas calçadas, o cantar dos pássaros quando o sol raiar?
O que você quer ver?
As avenidas infestadas de carros, o cintilar das estrelas ao anoitecer?
Para onde você quer ir?
Para casa assim tão cedo, para aquele lugar onde outrora você, o silêncio e teus pensamentos podiam coexistir?
Com o que você quer sonhar?
Trabalho, perseguição, temporal, algo que te faça sorrir quando despertar?
O que você tanto tem buscado?
A tampa da caneta, o pé da meia, o perdido, o achado?
O que você vai fazer?
Chorar, gritar, andar, apenas esperar algo acontecer?
Não encontrará respostas colando cartazes...
Pergunte ao silêncio, talvez verdades ele fale.