sábado, 24 de agosto de 2013

Sarda-Menor


Pula, perpetua
Céu límpido, no seu rosto, a luz da lua
Pequena como um grão
Era maior que o botão
que desenhei naquele esboço
Tingida pela lua, não é como feijão
cabe dentro do meu bolso
Quis ser jus a estrela
confessei-me pela tal serenata:
Me pareceu sensata
Ideia de cantar da cabeceira.
Gorjeei, enrolei
Fiz-me perceber
Dando uns passos tropecei
Olhar fizera estremecer
Sucedeu voz agridoce
De longe um vislumbre
dum sorriso cristalino
"E se a distância fosse..."
Surgia o brilho matutino.
Apoderou-se de mim
Um salto e estava à beira
Deu-me um beijo cândido
Aclamou o cântico.
E fugimos da fronteira
O céu fora roubado
Tiraram-lhe uma estrela

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Participio há muito não conseguia mais sair mundo afora, estava velho mas já havia viajado muito, tinha se aposentado há dez anos e deixado de lado a velha motocicleta . Gerundio era jovem, forte, robusto, estava sempre viajando, conhecendo lugares e pessoas novas. Já os irmãos Infini e Tivo somente se permitiam desejar, queriam sempre viajar, sair para andar, talvez até tentar dançar. Mas nada mais que isso, tudo que faziam era planejar.

Se permita.

domingo, 18 de agosto de 2013

Sem-um-bom-titulo

Tudo ficou devagar. As várias vozes ao redor pareciam ficar cada vez mais distantes até se tornarem ecos. Ele se levantou do sofá vermelho-vivo, sua cabeça parecia estar girando e ao mesmo tempo parada. Calçou lentamente os sapatos, a porta do quarto já se encontrava aberta, passou por ela, ainda lentamente e caminhou pela pequena cozinha.
Os rostos tinham lábios, estes se moviam da forma como ele caminhava, mas parecia que lhes fora roubado o que chamam de som e nada podia ser ouvido porque não havia o que ouvir.
Lançou-se porta a fora. Nuvens robustas e de um branco sujo cobriam todo o céu, no chão haviam pequenas poças e o ar estava parado. Caminhou em passadas um pouco mais rápidas, os sons começaram a voltar da mesma forma que foram, seja lá para onde tinham ido. Havia uma garota sentada na beira da calçada, ele a fitou brevemente, parecia estar perdida em seus próprios pensamentos e nem o notou, continuou a andar.
Sentiu o frio vento tocar-lhe o rosto e deu por si andando em passadas rápidas, seu olhar demonstraria o quão distante ele estava, se houvesse alguém para vê-lo.
Começou a ouvir uma batida, "dum-dum, dum-dum", sem parar e ainda com as mesmas passadas ele procurou saber donde vinha aquilo, olhou para os lados, para o alto, para frente, mas nunca para trás. Depois de virar a esquina percebeu, vinha de sua cabeça. Acostumou-se e continuou, estava numa rua larga, carros passavam, pessoas indo e vindo de vários lugares. Começou a imaginar de onde vinham e para onde iam. Depois percebeu que ele mesmo não sabia para onde estava indo.
Parou.
Olhou para os lados, era um cruzamento, havia uma banca de jornal do outro lado, atravessando a pequena rua a direita e um rio do lado esquerdo da rua a sua frente. Era larga e muitos carros passavam por ela. Viu uma pequena ponte dez metros a frente, uma árvore e um banco de madeira ao lado dela.
Atravessou a rua e caminhou até lá.
Olhou em volta.
Sentou-se.
Começou a reparar nos sons ao seu redor, notou um em especial, um ronco.
Era seu estômago que reverberava
Não havia comido nada desde que acordara.
Alias, nem sabia que horas eram.
Procurou saber, sentiu algo no bolso, tocou-o e sentiu algo retangular, pegou-o.
Era seu velho celular, com arranhões na tela e uma fina liga metálica circulando um botão central, a liga estava enferrujada em algumas partes. Ele tocou o botão e a tela acendeu, eram 10:40, e domingo, mas isso ele sabia. Havia acordado as 7, como sempre, mesmo sendo domingo. Seu estômago voltou a lembrar-lhe que tinha se esquecido dele. Ignorou, guardou o aparelho no bolso direito, olhou para cima. O céu ainda era o mesmo. Perguntou-se que "mesmo" era esse. Começou a ouvir passarinhos gorjeando, concentrou-se em fazer isso. Ouvia também, mas distante, o barulho do rio correndo atrás de si. Inclinou-se para frente, pousou os cotovelos nos joelhos e juntou aos mãos abaixo do queixo.
Fitou o chão.
Deitadas sobre ele estavam algumas folhas verde-limão e um pouco de terra. Por que estava mesmo ali? "Dum-dum, dum-dum", ele voltou a ouvir e achou melhor deixar essa pergunta pra lá. Fechou os olhos. Ouvia agora as vozes e os carros, depois junto a eles, os passarinhos. O som do rio sentiu-se só e se juntou a eles. Estavam agora todos juntos. Então ele entendeu. Levantou-se, sentiu o estômago reclamar e decidiu voltar para casa. Lembrou-se porque tinha saído daquele jeito, ele... "Dum-dum, dum-dum", ele ouviu e mais uma vez deixou pra lá. Começou a caminhar, as nuvens tinham se movido um pouco e permitiram que alguns raios de sol fossem vistos naquela hora. Passou por uma senhora idosa, parecia ter cinquenta anos, ela lhe sorriu e lhe desejou bom dia, ele retribuiu ambas as coisas e continuou caminhando por onde antes tinha vindo. Lembrou-se que havia se perguntado para onde estava indo.
Agora ele sabia, ou melhor, sabia não-saber. Na volta viu poucos carros e poucas pessoas. O vento acariciava-lhe o rosto. Assim continuou, andando devagar, com os olhos semicerrados, e um sorriso que não se vê, mas que se advinha.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Gotas de acolá

Sem sair do meu chuveiro vou aonde quero ir
Onde coisas aconteceram e deixaram de existir
Do bosque mais fechado ao vulcão mais fumegante
Para um futuro próximo, ou um passado distante
Ou até aquela esquina
Três quadras acima, onde mora dona Maria
Sem sair do meu chuveiro vou a qualquer lugar
Talvez onde você ainda sonhe em ser feliz
Ou a primeira vez em que apertei o teu nariz...
Somente me separa do mundo inteiro
a cortina com bolinhas cor-de-gris
Posso ir até a lua
Ou naquela rua
Onde perdi a consistência
Sem sair do meu chuveiro vou a outros mundos,
onde pessoas ainda possuem conciência
Do topo do prédio ao parapeito
Àqueles dias longínquos, quando sorria daquele teu jeito
Posso andar nos anéis de Saturno
Nadar nos mares de Netuno
Num piscar de olhos:
Tudo num segundo
Sem sair do meu chuveiro eu vejo o mundo inteiro
São tantos lá embaixo, mais parece um formigueiro
Daqui são todos iguais
Quadrados, redondos, são todos disformes, de formas banais
Sem sair do meu chuveiro ouço até o que não foi dito
A criança que ainda não chorou
O grito do garoto perdido
As três palavras que não consegui murmurar
Frases, canções que não consigo escutar
No meu chuveiro o tempo voa
As vezes passa devagar
E isso só percebo
quando ouço me chamar
Sem sair do meu chuveiro tudo posso
Até mesmo flutuar
Eis o meu maior tesouro:
Minhas gotas de acolá.