Tudo ficou devagar. As várias vozes ao redor pareciam ficar cada vez
mais distantes até se tornarem ecos. Ele se levantou do sofá
vermelho-vivo, sua cabeça parecia estar girando e ao mesmo tempo
parada. Calçou lentamente os sapatos, a porta do quarto já se encontrava
aberta, passou por ela, ainda lentamente e caminhou pela pequena
cozinha.
Os rostos tinham lábios, estes se moviam da forma
como ele caminhava, mas parecia que lhes fora roubado o que chamam de
som e nada podia ser ouvido porque não havia o que ouvir.
Lançou-se
porta a fora. Nuvens robustas e de um branco sujo cobriam todo o céu,
no chão haviam pequenas poças e o ar estava parado. Caminhou em passadas
um pouco mais rápidas, os sons começaram a voltar da mesma forma que
foram, seja lá para onde tinham ido. Havia uma garota sentada na beira
da calçada, ele a fitou brevemente, parecia estar perdida em seus
próprios pensamentos e nem o notou, continuou a andar.
Sentiu o frio vento tocar-lhe o rosto e deu por si andando em passadas
rápidas, seu olhar demonstraria o quão distante ele estava, se houvesse
alguém para vê-lo.
Começou a ouvir uma batida, "dum-dum, dum-dum",
sem parar e ainda com as mesmas passadas ele procurou saber donde vinha
aquilo, olhou para os lados, para o alto, para frente, mas nunca para
trás. Depois de virar a esquina percebeu, vinha de sua cabeça.
Acostumou-se e continuou, estava numa rua larga, carros passavam,
pessoas indo e vindo de vários lugares. Começou a imaginar de onde
vinham e para onde iam. Depois percebeu que ele mesmo não sabia para
onde estava indo.
Parou.
Olhou para os lados, era um cruzamento,
havia uma banca de jornal do outro lado, atravessando a pequena rua a
direita e um rio do lado esquerdo da rua a sua frente. Era larga e
muitos carros passavam por ela. Viu uma pequena ponte dez metros a
frente, uma árvore e um banco de madeira ao lado dela.
Atravessou a rua e caminhou até lá.
Olhou em volta.
Sentou-se.
Começou a reparar nos sons ao seu redor, notou um em especial, um ronco.
Era seu estômago que reverberava
Não havia comido nada desde que acordara.
Alias, nem sabia que horas eram.
Procurou saber, sentiu algo no bolso, tocou-o e sentiu algo retangular, pegou-o.
Era
seu velho celular, com arranhões na tela e uma fina liga metálica
circulando um botão central, a liga estava enferrujada em algumas
partes. Ele tocou o botão e a tela acendeu, eram 10:40, e domingo, mas
isso ele sabia. Havia acordado as 7, como sempre, mesmo sendo domingo.
Seu estômago voltou a lembrar-lhe que tinha se esquecido dele. Ignorou, guardou o aparelho no bolso direito, olhou para cima. O céu
ainda era o mesmo. Perguntou-se que "mesmo" era esse. Começou a ouvir
passarinhos gorjeando, concentrou-se em fazer isso. Ouvia também, mas
distante, o barulho do rio correndo atrás de si. Inclinou-se para frente, pousou os cotovelos nos joelhos e juntou aos mãos abaixo do queixo.
Fitou o chão.
Deitadas sobre ele estavam algumas folhas verde-limão e
um pouco de terra. Por que estava mesmo ali? "Dum-dum, dum-dum", ele
voltou a ouvir e achou melhor deixar essa pergunta pra lá. Fechou os
olhos. Ouvia agora as vozes e os carros, depois junto a eles, os
passarinhos. O som do rio sentiu-se só e se juntou a eles. Estavam agora
todos juntos. Então ele entendeu. Levantou-se, sentiu o estômago
reclamar e decidiu voltar para casa. Lembrou-se porque tinha saído
daquele jeito, ele... "Dum-dum, dum-dum", ele ouviu e mais uma vez
deixou pra lá. Começou a caminhar, as nuvens tinham se movido um pouco e
permitiram que alguns raios de sol fossem vistos naquela hora. Passou
por uma senhora idosa, parecia ter cinquenta anos, ela lhe sorriu e lhe
desejou bom dia, ele retribuiu ambas as coisas e continuou caminhando
por onde antes tinha vindo. Lembrou-se que havia se perguntado para onde
estava indo.
Agora ele sabia, ou melhor, sabia não-saber. Na volta
viu poucos carros e poucas pessoas. O vento acariciava-lhe o rosto.
Assim continuou, andando devagar, com os olhos semicerrados, e um
sorriso que não se vê, mas que se advinha.