domingo, 21 de setembro de 2014

Me despeço.

Mas
se lhe pedir para ficar,
me diz             
posso?

- Marvin... por que despedidas doem tanto?
- É como se diz "Olá" à todos os enquantos...

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Queria vê-la crescer,
se formar...
  
Mas se for mar,
congelo.
Tenho tanto medo de água...

Gerúndio

Deixou-se pintar pela rotina
Havia um gosto estranho na boca...
Lambendo os lábios, notara,
"Monotonia",
resmungou
"Possos" curtos,
passos longos
Se apressou
caminhando pelas ruas
Quase tocava o silêncio
As árvores, nuas
sentiam o desalento
O cheiro fétido que exalava
tinha cor de escassez
Mas de que?
De si, de tinta,
do bem-querer
que se desfez?
O rosto
sequer chegava
a um esboço
do que um dia foi
Os olhos, vergonhos
de estarem presentes
Olhavam e nada viam
Ausentes
A boca
traduzia-se agora
em finas linhas secas
dormindo, dizia-se,
esperavam as estrelas
Avistou, ao longe,
seu velho sofá carmesim
Recostado numa lixeira,
olhando-o com desdém
"Marvin..."
Balbuciando, arrastou-se
até si
"Nada mudou..."
Sussurrou o grilo
que estava ali
Sem forças para assustar-se
apenas o encarou
"Não há mais tinta"
confessou,
quase inaudivel
"Nada mudou", insistiu o grilo
"Ainda é visivel"
Riscou céu,
num esforçado olhar
este fez-se espelho
Achou-se, acima, no centro
Então viu-se
Magro, cansado
com trapos do tempo
"Por que essas roupas?",
indagou ao inseto
"A rotina vestiu-o
com passado,
tu sequer fez protesto..."
De joelhos, caiu, esgotado
Fechando os olhos, cansados
"O que fazer?",
sussurrou
O inseto subiu-lhe a face,
sentindo os secos labios, a pele aspera...
Parou
"Basta ser"
Contou,
tocando o torto nariz
O chão tornou-se água,
"Um lago", notara
abrindo olhos
Afundando-se abordo
"Sobre mim...", começou,
com calma
"Como tem tanto
a dizer?"
O inseto sorria, simplório
"Lavemos essa'lma
Sou apenas você"

Meu criado-mudo fala,
o sofá, nossa!
que esbone
Se recusa a ficar na sala
Diz que mora em si,
que não há casa mais nobre
O Criado fala,
diz não ser mudo
Foi criado, conta,
num tumulto
de gestos
E protesta,
meu protesto!
Ah, e o teto!
Sonha em ser céu
Pede por tinta
"Risque-me umas estrelas,
um fim de tarde
da cor de mel"
Minhas janelas, quasares!
Mas eu que o digo
Elas, são todas pesares
remoem passados
achados perdidos
As cortinas
cortiças!
Dançam ao vento
Afasta, contam,
o desalento
As paredes...
Nem me deixem começar!
Não ficam paradas,
danadas
Basta a brisa passar
que se deixam levar...
E eu!
Oras...
Sou menos que um quarto
do meu quarto
Dormindo num sofá,
que se faz nave
Marvin,
meu sofástronave!
E grande amigo
nas desventuras do acaso
salva-me do convívio
Tinha uns rabiscos
que trouxe de Saturno,
ali, na gaveta do meio
Mas minhas gavetas vem e vão
As vezes mal as reconheço
São mundos a descobrir,
a re-cor-dar
Mas no meu quarto
chove vez ou outra,
tive medo de borrar
Hoje há muita poeira,
pelos cantos
Meias perdidas
nas gavetas
Meias metades...
Metades inteiras!
Marvin, amigo
Empresta-me aquele pincel,
feito de fios de incertezas?

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Estância

Decassílabos, métricas...
Todas afugentadas
Meu bule de café,
esvaziou-se
Foi-se              
Dançar ballet...
Gavetas voltaram
a ter fundo
Meias,
não mais inteiras,            
voltaram pros seus mundos      
Meu sofá emudeceu
numa nota que fermata
Num silêncio que a fé mata            
Teto, tornou-se chão
As paredes não mais vem,
só se vão
Minhas roupas
vestiram minha ausência
Iriam, disseram,
para Provença            
E já é cedo demais,
para ser tarde...
Pergunto-me então,
para um eu
que sequer se encontra aqui
Palavras podem
se demitir?
Pessoas presentes,
na ausência de si?
E o que sobra,
quando o resto se esvai...
Se o ser já não há,
há, então, o ser não-ser?
Mas vejo, ao olhar atrás
No vazio que agora sou,
me transbordo de não-ser
o que já fui
De não-ser
o que ser-ei
E por esse ser, solúvel,                          
Apenas sou...
Num barco,
da cor do não-saber,
vago,        
com incertezas ao lado              
Somos feitos
de recomeços
que não findam?
Tentando ser
um pouco mais de nós?
As manhãs nunca terminam,
só se escondem
de todo esse atroz?